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Hospital of souls

O tempo não queria passar e meus olhos não queriam se abrir, porém o apitar constante das maquinas ao meu redor me lembrava da minha localização. A agulha enfiada em meu braço estava começando a me deixar agoniada, mas quem disse que isso ia mudar qualquer coisa? Tanto eu, quanto as enfermeiras, sabíamos que ela teria de continuar lá, até as faxineiras sabiam disso, mesmo que eu implorasse pra elas. Se bem, se eu conseguisse falar qualquer coisa já seria um grande avanço, levando em conta que nem abrir os olhos eu conseguia.
Depois de apagar por não sei quanto tempo, me levantei com muita facilidade, e me sentei na cama. Arranquei a maldita agulha do meu braço e olhei em volta: vi todos os fios da maquina que estavam conectados a mim, fazendo com que ela apitasse constantemente. Pensei por um instante e os arranquei, afinal, se eu já conseguia sentar sozinha e sem nenhum grande esforço eu deveria já estar bem. Coloquei meus pés no chão frio, e levantei da cama. Olhei para os lados, fechei os olhos e tentei escutar algum movimento das enfermeiras do lado de fora do quarto. Nada. Estranho, geralmente hospitais ficam movimentados a todo tempo… Abri a porta, e fiquei cega por um instante com a claridade que vinha do lado de fora. Fui abrindo os olhos aos poucos, até me acostumar com a luz excessiva. Continuava tudo vazio.
O corredor era maior do que parecia quando me carregaram pro quarto. O elevador parecia longe demais, e tudo parecia mais frio. Pensando bem, quando se está vestindo a camisola hospitalar, até no dia mais quente de todos você irá ficar com frio, é incrível. Cheguei à frente do elevador, mas ele passou direto pelo meu andar, me esqueci de apertar o botão. Esperei o que pareceu ser uma eternidade, não que eu tivesse algum compromisso além de vagar pelos corredores do hospital, aparentemente vazio. Olhando por esse ângulo, a ideia não parece ser uma das melhores, mas algo me impedia de ir até meu quarto novamente.
O elevador chegou, apertei em um botão qualquer, e acabei parando no andar onde tinham as salas de cirurgia, e minha curiosidade mórbida me fez ir em frente. As salas pareciam todas vazias, com exceção de uma, no fim do fim do corredor. Porque tudo tinha que ser tão distante por aqui? Com passos pequenos cheguei lá, entrei na porta ao lado, que dava para a galeria daquela sala. Certifiquei-me que estava vazia e entrei, ficando ao fundo, para evitar que me vissem, mesmo que fosse o menos provável, já que aparentavam estar absortos nas complicações com a cirurgia. Fiquei me centrando nos movimentos do médico, no que ele deixava de fazer, e imaginando o que ele estava falando, com isso olhei para o braço do paciente e vi uma pulseira amarela em seu pulso, que devia significar que precisava de cirurgia urgente. E ao lado uma mesa com as pulseiras de outras cores. Tinha visto em algum lugar o significado delas, mas só algumas eu conseguia me lembrar, azul significava que a cirurgia havia corrido bem, amarela que o paciente precisava de cirurgia urgente, e preta que estava morto. Por acaso olhei atentamente para o paciente, que por sinal havia se acidentado muito, devia ser mais um motoqueiro idiota, pelo jeito dos ferimentos, e porque a maioria dos acidentes de moto se parecem com esse. Pois é, quando se é viciada em séries médicas você acaba aprendendo alguma coisa.
Então descobri que era o meu irmão o motoqueiro idiota. Com isso vieram flashes na minha cabeça de nossa tarde. De mim convencendo ele a pegar as motos do papai e apostarmos uma corrida em uma estrada que conheço. Só havia um capacete, e ele havia dado para mim, porém eu o deixara em casa, alegando que se ele não usasse, eu também não usaria. Se fosse pra um morrer com o acidente que os dois morressem. Depois, me veio a imagem turva de muito vidro, sangue e tumulto a nossa volta. E dor, muita dor. Pois é, eu não deveria ter brincado com isso.
Quando me livrei das imagens olhei para a sala e o médico havia abaixado o bisturi. Parei de me importar com que me vissem ou não, corri para fora da galeria e entrei na sala de cirurgia, perguntando como estava meu irmão, qual era seu estado. Ninguém parecia me ouvir, e a enfermeira se dirigia a mesa com as pulseiras, só pude pensar comigo mesma “Por favor, não pegue a preta, qualquer uma menos a preta.” E, obviamente, a pulseira pega foi a preta. Perdi completamente as forças e cai no chão em lágrimas, me xingando de tudo por ter convencido ele a fazer o que eu queria. Ninguém naquela sala parecia notar minha presença, cada um fazia o que tinha que fazer, e eu chorando ali no meio da sala.
Uma mão tocou meu ombro, e demorei um tempo para identificar quem era, já que meus olhos estavam cheios de lágrimas, deixando minha visão quase impossível. Mas reconheceria aquele sorriso em qualquer lugar. Era o sorriso do meu irmão. Ainda no chão disse:
-O que? Acabei de ver o médico anunciando sua morte, como você está de pé aqui do meu lado?
-Levante maninha, tem coisas que você simplesmente não entende, venha, vamos sair daqui.
-Ok.
Me levantei e segui ele para fora da sala, sem entender absolutamente nada.
-Me desculpe por ter te obrigado a competir comigo esta tarde, foi uma idéia estúpida, sei disso.
- Você sabe que não é capaz de me obrigar a nada. Eu competi com você porque quis, porque foi divertido.
- Divertido? Nós quase morremos com aquilo.
Quando me dei por mim, estávamos no elevador. Estranho como agora tinha chegado até ele tão rápido.
- Você esta errada.
- Sobre o que?
- Pense bem. O que acabou de ver a enfermeira fazer comigo?
- Botar uma pulseira preta em você… Mas ela deve estar louca, afinal você está vivo, está aqui conversando comigo agora.
- E como você sabe que estou vivo?
- Porque eu estou! Como poderíamos estar conversando se você também não estivesse vivo?
-Tem certeza?
E com isso ele pegou meu braço e levantou a manga que escondia minha pulseira, revelando sua cor.